06
Dez 08

"Rica, bem-sucedida, famosa... Clara era tudo isso e muito mais. O muito mais resumia-se a uma só palavra: infeliz.

Era uma actriz cheia de trabalho, tanto no cinema como no teatro, tinha uma família pequena mas que a adorava e um namorado que dizia querer passar o resto da sua vida com ela. Tinha tudo para ser feliz, mas não o era.

Caminhando pelas ruas, como uma perfeita desconhecida, tentando não chamar a atenção dos transeuntes ansiosos por quererem saber sempre tudo, sentia-se sozinha. No meio de tanta gente, estava só.

Tinha cometido erros imperdoáveis. Tinha-se tornado numa pessoa odiosa. Tinha prejudicado tanta gente. E, até aquele momento, tinha vivido bem com isso. Sempre de sorriso na cara, como se fosse a pessoa mais afortunada do planeta.

Aos poucos, esse ego foi desaparecendo. Foi ficando vazia de cada vez que se cruzava com pessoas que tinha magoado ou de cada vez que se recordava de algumas das suas acções. Tudo em prol da fama. Mas para quê? Agora, que era famosa, não era nada.

O Filipe, desconfiava ela, era um oportunista que apenas estava interessado no seu dinheiro; mas ela não tinha forças para lhe dizer isso agora. Tinha deixado que a situação se arrasta-se até aqui e agora era tarde. Estava condenada a ser infeliz.

Naquele fim de tarde, em que o Sol estava prestes a, também ele, a abandonar, contemplou um sem abrigo. Estava sentado no banco do jardim, recentemente inaugurado, segurando num pedaço de papel. Olhava aquele pedacinho como se fosse ouro, com se tivesse descoberto um pequeno tesouro.

Clara não compreendia: o que poderia ter um pedaço de papel sujo de interessante, até mesmo para um sem-abrigo? Sem saber para quê ou porquê, os seus pés levavam-na na direcção do mendigo. Estavam incontroláveis. Era como se uma força interior muito grande a estivesse a puxar de tal maneira que nenhum esforço poderia suplantar.

Cara a cara com ele, não sabia o que dizer, como agir, o que pensar. Ele nem dera pela presença dela... continuava entretido com o seu pedacinho de papel. Clara sentia o cheiro característico da rua ali acentuado. A sujidade entranhada naquele corpo tão frágil, tão pequeno e tão marcado pela soberania do tempo fazia Clara ter vontade de chorar...

- Não costumo gostar que olhem atentamente para mim sem que digam o que querem.

Clara parou. Não estava à espera daquela voz tão grossa e rouca a invadir-lhe a mente. Não sabia o que proferir.

- Desculpe... não era minha intenção..hum..incomodá-lo.

- A mim? Não me incomoda. A minha casa é esta e sei desde sempre que tenho de a partilhar com todos. O que faz uma menina tão bem parecida como você por aqui?

- Oh...apenas saí de casa para passear e vim andando...até aqui.

- Muito bem...

-Sabe que esta rua é das mais calmas e na minha posição não gosto de andar pelas ruas mais movimentadas...

- Na sua posição? A posição quadrúpede? – Ele ria-se.

- O senhor não me conhece?

-Eu? Por que haveria eu de a conhecer? É alguma rainha?

Clara empalidecera. Pensava que todos em Lisboa a conheciam. Em todas as revistas vinha mais uma mentira sobre a sua vida. Todas as semanas recebia convites para pousar para diversas produções. Mas ele não...vivia noutro mundo.

- É assim uma pessoa tão importante a quem eu devesse fazer uma vénia?

- Não, era só uma brincadeira minha. Chamo-me Clara. E o senhor?

- José. José Castro. Mas para que quer saber o meu nome? Proavelmente nunca mais me vi...

- Como é a vida por aqui? Quem são os seus amigos? – Clara interrompera-o. Não queria esperar por mais uma resposta irónica.

- Amigos? Não tenho amigos. Há muitos anos que eles foram embora... Não devem ter gostado da minha nova residência.

- O que é esse papel para o qual tanto olha mas que nada tem escrito?

- Este papel, menina Clara, é o papel da escritura da minha casa, a casa que comprei há dez anos atrás. O tempo não perdoa e ele foi perdendo a cor..mas o significado permanece.

- Então o José tem casa? Porque não vive lá? Porque continua na rua?

- Não fazia sentido viver numa casa vazia. Comprei-a para a dar como prenda de anos à minha mulher. Mas o destino não gostou e levou-ma antes mesmo de lha dar. Por isso não a quero. A rua é mais cheia, mais viva.

- O José não precisa de nada? Eu posso dar-lhe dinheiro, um emprego... eu posso fazer tudo para que o José volte para uma vida normal.

- Dinheiro? Acha mesmo que isso pode dar felicidade a alguém? Pensei que era diferente.

- Não José. E eu sou a maior prova disso. Fiz coisas horríveis a pessoas que não mereciam , só pela loucura de me tornar famosa. Agora sou-o. Mas sinto-me sozinha, mesmo com tanta gente a rodear-me.

- Parece-me então que não sou eu que estou a precisar de ajuda menina...

- Gostava de fazer alguma coisa por si, talvez me fizesse sentir melhor e redimida.

- Não sou o remédio de ninguém. Sou uma causa perdida.

 

 

Naquele momento, Clara percebeu que José não precisava de dinheiro ou de um emprego. Que não era isso que ia fazer com que ele “mudasse de casa”. José precisava de uma abraço amigo. Há tantos anos que não devia sentir a pele de alguém, que não devia sentir o carinho inerente à amizade.

 

E deu-lhe um. Deu-lhe um abraço tão forte que ela própria se sentiu comovida.

José não disse nada. Apenas se levantou e começou a caminhar. Clara seguiu aquele ser tão frágil até a um prédio bastante bonito, provavelmente remodelado há pouco tempo. Ali, José disse-lhe um tímido obrigado e subiu as escadas.

Clara sorriu. Sentiu-se livre. Sentiu-se feliz. Tinha conseguido mudar o mundo de uma pessoa. Sentia-se, finalmente, realizada

Pouco a pouco,  mudando o mundo de uma pessoa , podemos mudar o mundo de todos. Porque existe uma Clara dentro de cada um de nós."

 

Texto ficcionada escrito para a fabricadehistorias.blogs.sapo.pt/

 

 

 

/Lara/

 


26
Nov 08

 

Toda uma vida... Toda ela pode ser simplificada num simples caminho. Um caminho cheio de ilusões, tristezas, felicidade, mentiras, sonhos...

Um caminho que pode ser relembrado, um caminho que deve ser vivido.

Que interessa vivê-lo apressadamente com a esperança de alcançarmos rapidamente uma estabilidade que nos permita ser felizes se, ao olharmos por entre as folhas que vão caindo à medida que ultrapassamos mais um obstáculo, que alcançamos um objectivo, que concretizamos um sonho, descobrimos que não ficou nada a não ser as folhas? Porque o caminho é muito mais que isso. Não se resume a que as folhas caiam; importa a forma como isso acontece e o quanto soubemos aproveitar cada segundo da descida.

Os companheiros de viagem? Muitos e cada vez mais. Cada um, à sua maneira, é importante. Até mesmo aqueles que nos fazem derramar uma lágrima, são importantes. Porque são eles que vão ajudar-nos a andar com mais precaução, a ter mais cuidado com as possíveis pedras que possam aparecer. Os outros, aqueles que nos ajudam a sorrir, são isso mesmo, companheiros de um caminho, de uma vida! São aqueles que relembraremos na hora de ver as folhas; cada um terá uma coloração de folha especial... Porque cada um é único...

Não vou querer saber qual será a próxima curva ou se haverá um corte na estrada; não vou querer saber se vai haver um sentido proibido ou uma rua sem saída. Porque não interessa. Apenas interessa a forma como caminho agora, neste presente tão meu, em que tento saltar cada charco de água sem me molhar e atravessar cada ponte com cuidado para não cair.

Não me vou sentir enjoada. Porque as curvas vão ser feitas à minha velocidade, da forma como eu quiser. Mas sempre a olhar em frente, sem ter medo do que virá e sem qualquer arrependimento do que possa ter feito. Se o fiz, foi o melhor na altura.

E se de repente chover? Não importa... as folhas já estão caídas; só importa o que cada uma delas representa. Só importa o que cada uma delas é.

Se queria que o Sol brilhasse ao longo de todo o meu percurso? Não... Definitivamente, não. A perfeição não existe. E a chuva iria obrigar-me a fazer uma pausa, para não me molhar. De vez em quando, é preciso saber quando parar. Faz bem à alma!...

Os caminhos que se entrecruzam com o nosso? São difíceis... Porque podem trazer uma nova curva para nós ou podem fechar-nos definitivamente uma pequena estrada. Contudo, “Todos os caminhos vão dar a Roma”, por isso, se não for aquele, haverá outro que nos permitirá lá chegar, onde quer que seja.

Talvez não seja boa ideia procurar o lugar da felicidade completa. Perderemos tanto tempo, podemos perder-nos, podemos fugir daquele que era o nosso objectivo e depois...não o vamos encontrar. Porque, simplesmente, não existe.

Quando caminho, não quero olhar para trás. Quero encarar as possíveis tempestades que possam aparecer, saborear a panóplia de sentimentos e ser feliz...uma felicidade construída por mim... não perfeita, mas minha.

 

 

 

Textinho feito para fabricadehistorias.blogs.sapo.pt/

 

 

/Lara/ 

 


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